Processo em curso no TCU (Tribunal de Contas da União) aponta que a estatal federal Codevasf burlou uma licitação para realizar obras de pavimentação de R$ 25 milhões no Distrito Federal aproveitando-se de manobra que levou ao afrouxamento das regras de concorrências no governo Jair Bolsonaro (PL).
A estratégia da Codevasf, revelada pela Folha de S.Paulo, é a de considerar serviços de pavimentação como trabalhos de engenharia simples, que podem ser cotados por metro quadrado tendo por base modelos fictícios de vias. O mecanismo empregado para asfaltamento conta com aval do próprio TCU.
Porém, no caso do DF, a área técnica do tribunal de contas apontou que a Codevasf adotou esse modelo simplificado de maneira ilegal, uma vez que as obras são complexas e têm ligação com um anel viário regional. O TCU então mandou suspender provisoriamente a execução dos contratos.
A medida reforça os indícios de que a estatal aproveita a manobra da flexibilização das licitações para dar vazão aos valores de emendas parlamentares, deixando em segundo plano o planejamento e a fiscalização das obras.
A Codevasf foi entregue por Bolsonaro a partidos do centrão em troca de apoio político no Congresso.
A decisão preliminar do TCU que suspendeu as obras no DF foi tomada no fim de abril, após a Folha publicar uma série de reportagens que mostrou o aumento de 240% no uso do modelo afrouxado de concorrência em 2021, o descontrole administrativo que abrange R$ 4 bilhões e a participação de apenas uma empresa ou o uso de firma de fachada em muitos pregões.
Os serviços suspensos são de asfaltamento de ruas de acesso a quatro escolas públicas da capital federal, localizadas de 40 km a 60 km do Palácio do Planalto. Os auditores do TCU ainda dizem que há risco de pagamentos indevidos por estudos que já tinham sido feitos pelo DER (departamento de vias) do Distrito Federal.
Eles também afirmam que a Codevasf apresentou no processo de contratação alguns dados diferentes daqueles que seriam de fato exigidos para a obra.
A maior discrepância, considerada grave pelos técnicos, é que a licitação considerou um pavimento com espessura de 3 cm, mas o projeto requer uma espessura de 9,5 cm.
A verba para os serviços foi obtida pelo governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB). Mesmo sem ser parlamentar, ele apadrinhou emendas do relator, chamadas de “RP9”, e da Comissão de Desenvolvimento e Turismo do Senado, segundo documentos da Codevasf.
Este tipo de emenda se tornou uma das principais moedas de troca entre a gestão de Jair Bolsonaro e o Congresso. A verba é usada para irrigar redutos eleitorais e está no centro de suspeitas de corrupção do governo.
Procurada, a assessoria de Ibaneis não respondeu se houve troca de apoio político para obter o recurso. Afirmou ainda que o acesso à escola Sonhém de Cima, na área rural do DF, já foi concluído.
Os serviços em outros dois trechos nem sequer começaram, disse o governo local.
O governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) Pedro Ladeira – 20.abri.2020/Folhapress De pé, o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) **** O próprio TCU deu aval, em 2021, para esta modalidade de licitação.
Pela lógica da Codevasf e do tribunal, o mais importante desse mecanismo é servir de via rápida para que os congressistas possam destinar o dinheiro público, o que na prática ocorre em especial por meio das emendas de relator.
De forma geral, a brecha permite fechar “contratos guarda-chuva”, com “objeto incerto e indefinido, sem a prévia realização dos projetos básico e executivo das intervenções”, afirmou o tribunal ao permitir a manobra.
Este tipo de contratação visa facilitar a realização de convênios da estatal com estados e municípios, para multiplicar obras de asfaltamento. A empresa pode ainda replicar as tarefas, cobrando o mesmo valor por metro quadrado, por exemplo, independentemente do local escolhido para o serviço.
Quando analisou e autorizou o uso do mecanismo, o TCU mostrou não ignorar as fragilidades da manobra e o risco de superestimativa nos serviços.
Assim, determinou a adoção de “pontos de controle” pela Codevasf, para contratações futuras. O principal deles, segundo o tribunal, seria o de adotar medidas para encaixar a situação das vias reais às condições estabelecidas nos contratos guarda-chuva.
Na prática, a Codevasf tem fechado diversos contratos para obras precárias. Como mostrou a Folha, a empreiteira que lidera as contratações da estatal no governo Bolsonaro participa das disputas públicas ao lado de uma empresa de fachada. Já a vice-líder tem sócio oculto que é réu por supostos desvios e atos de corrupção.
O TCU pautou para esta quarta-feira (25) um julgamento em que poderá ser reexaminada a validade do uso de licitações simplificadas para obras de engenharia da Codevasf.
No caso das pavimentações no DF, o tribunal percebeu que não se tratava de “obra sem complexidade técnica”. Além disso, as vias onde os serviços seriam feitos já estavam definidas.
Antes da suspensão das obras, a Codevasf reconheceu que parte das tarefas não se enquadrava em “serviços comuns de engenharia”, mas alegou que realizou a licitação antes de o TCU modular este tipo de manobra.
A área técnica do tribunal não concordou com a argumentação da estatal, afirmando que a empresa deveria ainda assim ter se adequado.
Relator do caso no TCU, Augusto Sherman aponta indícios de ilegalidade nos contratos. O ministro também cita falta de documentos básicos na licitação, discrepância entre os dados usados na concorrência e aqueles previstos no projeto, além de risco de pagamentos por serviços não realizados.
A área técnica do tribunal diz ainda que as reformas exigem a demolição de trechos das ruas, o que não teria sido incluído no orçamento e no termo de referência da contratação.
Segundo os auditores, a Codevasf também poderia pagar para a empresa contratada no edital, a HL Terraplenagem, realizar estudos que já haviam sido feitos pelo Governo do DF.
A HL afirmou ao TCU que fez “os levantamentos preliminares e que não havia nenhuma informação acerca de projetos doados” pelo governo local.