Nos últimos dois anos, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) protagonizou episódios de violência por excesso do uso da força que vitimaram inocentes.
A escalada de violência ocorreu ao mesmo tempo em que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aumentava as atribuições legais da corporação. A nova gestão da PRF, agora, promete frear esses episódios. Para isso, diz apostar em medidas como a criação de uma coordenação de direitos humanos com poder de decisão.
Só no Rio de Janeiro, em 2023, duas ações da Polícia Rodoviária deixaram uma mulher morta e uma criança em estado gravíssimo. Anne Caroline Nascimento, 26, e Heloisa dos Santos Silva, 3, foram baleadas durante perseguições em rodovias. Os policiais alvejarem os carros em que as vítimas estavam antes mesmo de eles pararem.
Os dois casos são investigados pela Polícia Federal e pela Corregedoria-Geral da PRF. Esses acontecimentos recentes repetem excessos que caracterizaram ações da corporação no ano passado.
Em maio de 2022, uma operação da Polícia Rodoviária Federal com a Polícia Militar deixou 23 mortos na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio —a segunda incursão policial mais letal da história fluminense. Entre as vítimas estavam um mototaxista, um estudante de 16 anos, um ex-militar e uma manicure que não tinham registro criminal nem envolvimento com o crime organizado.
A operação foi alvo de investigações por parte da PRF, Polícia Civil e Polícia Militar. A PM respondeu que concluiu o inquérito e o encaminhou para a Auditoria de Justiça Militar do Rio, sem dizer qual foi a conclusão. A PRF, por sua vez, disse que arquivou o inquérito.
Naquela mesma semana, em Sergipe, Genivaldo de Jesus Santos morreu asfixiado dentro de uma viatura por uma equipe da PRF em Umbaúba, a 101 km de Aracaju. Dois dias antes, dois agentes envolvidos no caso agrediram e ameaçaram dois jovens na mesma cidade, conforme denúncia feita pela família.
Os policiais foram exonerados da corporação em agosto deste ano e estão presos desde outubro passado.
MEDIDAS PARA FREAR CASOS DE VIOLÊNCIA
A expectativa é de que até o fim deste mês a PRF crie a coordenação de direitos humanos, que fará parte da estrutura oficial da corporação. O órgão, que será encabeçado pela policial Liamara Cararo Pires, pretende rever as diretrizes da polícia e a doutrinação do uso da força.
Essa coordenação terá uma força maior do que as comissões de direitos humanos que já existem dentro da corporação. Isso porque os colegiados atuais têm um caráter mais consultivo, e os agentes que integram esses grupos atuam nele em paralelo às suas funções oficiais.
Outra medida adotada foi a criação de uma comissão de direitos humanos dentro da Universidade de Polícia Rodoviária Federal. O colegiado foi criado no final de agosto deste ano e foca a formação dos novos agentes para evitar futuros excessos.
“O objetivo dessas medidas é fazer com que uso legítimo da força seja cada vez melhor e mais aperfeiçoado. Que nossos policiais possam aplicar de forma efetiva uma doutrina de proteção, defesa e respeito dos direitos humanos daqueles que são abordados pela Polícia Rodoviária Federal e da sociedade como um todo”, diz Pires.
Em uma frente, um grupo de trabalho da PRF estuda formas para instalar câmeras corporais em todo o contingente da corporação. No entanto, ainda não há data para que os equipamentos sejam incorporados.
AUMENTO DAS ATRIBUIÇÕES DA PRF
As comissões de direitos humanos da PRF estão em fase de restabelecimento. Criadas em 2008, elas começaram a ser desmobilizadas em 2019, durante o primeiro ano do governo Bolsonaro.
Em maio de 2022, semanas antes de o caso Genivaldo acontecer, as comissões foram extintas oficialmente pelo ex-diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques.
“Em 2019, começou um processo de desmobilização tácita das comissões”, conta a futura coordenadora de direitos humanos da PRF. “Alguns colegas foram removidos. As pessoas que estavam responsáveis pela comissão em nível nacional acabaram sendo designadas para outras funções. E aí, em 2022, as comissões foram extintas de forma oficial.”
Uma decisão da Justiça Federal, em outubro passado, mandou que a PRF recriasse as comissões.
Outra medida do governo passado foi uma portaria que aumentou as atribuições legais da PRF. Com a mudança, a corporação passou a ter como função não só o patrulhamento das rodovias federais, mas também a participação em operações conjuntas com outras forças de segurança em área de interesse da União.
Foi essa medida que abriu margem para que a PRF atuasse junto com a Polícia Militar na operação na Vila Cruzeiro, em maio de 2022, e em outras incursões que tiveram como resultado mais de uma dezena de mortos. É o caso de Varginha (MG), em novembro de 2021, em que 26 pessoas foram mortas, e Itaguaí (RJ), em outubro de 2020, com 12 mortos.