Pesquisadores do Laboratório de Imunologia do
Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FM-USP) estão desenvolvendo uma vacina contra o coronavírus da
síndrome respiratória aguda grave, o Sars-CoV-2. O projeto é coordenado pelo
Tucanense de Creguenhem, Gustavo Cabral. O pesquisador fez nos últimos 5 anos
pós-doutorados nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e de Berna, na
Suíça, onde desenvolveu candidatas a vacinas utilizando VLPs contra doenças,
como a causada pelo vírus zika.
Por meio de uma estratégia diferente das adotadas
por indústrias farmacêuticas e grupos de pesquisa em diversos países, os
cientistas brasileiros esperam acelerar o desenvolvimento e conseguir chegar,
nos próximos meses, a uma candidata a vacina contra o novo coronavírus que
possa ser testada em animais.
“Acreditamos que a
estratégia que estamos empregando para participar desse esforço mundial para
desenvolver uma candidata a vacina contra a Covid-19 é muito promissora e
poderá induzir uma resposta imunológica melhor do que a de outras propostas que
têm surgido, baseadas fundamentalmente em vacinas de mRNA”, disse à Agência FAPESP, Jorge Kalil,
diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e coordenador do projeto, apoiado pela
FAPESP.
Utilizada no desenvolvimento da primeira vacina
experimental contra o Sars-CoV-2, anunciada no fim de fevereiro nos
Estados Unidos, a plataforma tecnológica de mRNA se baseia na inserção na
vacina de moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) – que contêm as
instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema
imunológico.
A ideia é que o
sistema imunológico reconheça essas proteínas artificiais para posteriormente
identificar e combater o coronavírus real. Já a plataforma que será utilizada
pelos pesquisadores do Incor é fundamentada no uso de partículas semelhantes a
vírus (VLPs, na sigla em inglês de virus like particles).
Estruturas multiproteicas, as VLPs possuem
características semelhantes às de um vírus e, por isso, são facilmente
reconhecidas pelas células do sistema imune. Porém, não têm material genético
do vírus, o que impossibilita a replicação. Por isso, são seguras para o
desenvolvimento de vacinas.
“Em geral, as
vacinas tradicionais, baseadas em vírus atenuados ou inativados, como a do
influenza [causador da gripe], têm demonstrado excelente imunogenicidade, e o
conhecimento das características delas serve de parâmetro para o
desenvolvimento bem-sucedido de novas plataformas vacinais”, afirmou Gustavo Cabral,
pesquisador responsável pelo projeto.
“Mas, neste momento, em que estamos lidando com um
vírus pouco conhecido, por questões de segurança é preciso evitar inserir
material genético no corpo humano para evitar eventos adversos, como
multiplicação viral e possivelmente reversão genética da virulência. Por isso,
as formas alternativas para o desenvolvimento da vacina anti-Covid-19 devem
priorizar, além da eficiência, a segurança”, ressaltou Cabral.
A fim de permitir que sejam reconhecidas pelo
sistema imunológico e gerem uma resposta contra o coronavírus, as VLPs são
inoculadas juntamente com antígenos – substâncias que, ao serem introduzidas no
corpo humano fazem com que o sistema imune produza anticorpos.
Dessa forma, é possível unir as características de
adjuvante dos VLPs com a especificidade do antígeno. Além disso, as VLPs, por
serem componentes biológicos naturais e seguros, são facilmente degradadas,
explicou Cabral.
“Com essa estratégia é possível direcionar o
sistema imunológico para reconhecer as VLPs conjugadas a antígenos como uma
ameaça e desencadear a resposta imune de forma eficaz e segura”, disse.
Plataforma de
antígenos
O pesquisador fez nos últimos 5 anos pós-doutorados
nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e de Berna, na Suíça, onde
desenvolveu candidatas a vacinas utilizando VLPs contra doenças, como a causada
pelo vírus zika.
Por meio de um
projeto apoiado pela
FAPESP, Cabral retornou ao Brasil onde iniciou no
laboratório de imunologia do Incor, no começo de fevereiro, um estudo voltado a
desenvolver vacinas contra Streptococcus pyogenes –
causador da febre reumática e da cardiopatia reumática crônica – e chikungunya
utilizando VLPs.
Com a pandemia do Covid-19, o projeto foi
redirecionado para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus.
“O objetivo é desenvolver uma plataforma de entrega
de antígenos para células do sistema imune de forma extremamente fácil e rápida
e que possa servir para desenvolver vacina não só contra a Covid-19, mas também
para outras doenças emergentes”, ressaltou Cabral.
Os antígenos do
novo coronavírus estão sendo produzidos a partir da identificação de regiões da
estrutura do vírus que interagem com as células e permitem a entrada dele, as
chamadas proteínas spike.
Essas proteínas, que são protuberâncias pontiagudas
ao redor do envelope viral, resultam um formato de coroa que conferiu o nome
corona a esse grupo de vírus.
Após a
identificação dessas proteínas spike, são extraídos
fragmentos delas que são conjugadas às VLPs.