Em
documento divulgado ontem, o Ministério Público Federal (MPF) na Bahia
questionou a qualidade do ensino de escolas militarizadas no estado e apontou
uma série de violações de direitos de crianças e adolescentes nesses locais –
que proíbem, por exemplo, a escolha do próprio corte de cabelo ou a
participação em manifestações políticas.
O modelo é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que quer um colégio
militar em cada estado até 2020 e autorizou, semana passada, que policiais
militares e bombeiros da ativa trabalhem nessas instituições em cargos de
gestão.
Assinado pelo procurador regional dos direitos do cidadão Gabriel Pimenta
Alves, o documento pede que o Comando da Polícia Militar do Estado da Bahia não
firme mais acordos para introduzir o modelo militar em escolas municipais do
estado.
Ano passado, a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Militar e a União dos
Municípios da Bahia firmaram um acordo de cooperação técnica para “aplicar
a metodologia dos Colégios da Polícia Militar (CPT’s) em escolas municipais do
estado.
O tratado permite, por exemplo, que a PM baiana indique policiais da reserva ou
reformados para ocupar posições como diretor militar, diretor de disciplinas e
tutor, com salários de R$ 2.000 a R$ 3.000. O termo, no entanto, conforme
exposto pelo MPF, viola a Constituição em seu artigo 206, que afirma que os
profissionais da educação da rede pública só podem ingressar na carreira por
meio de concurso público. O MPF também pede que as instituições de ensino
municipais que já adotam o modelo parem de “violar ou restringir (…) a
liberdade de expressão, intimidade e e vida privada dos alunos.
Qualidade em xeque
Poupadas dos cortes que afetam a educação e elogiadas pelo presidente
Bolsonaro, as escolas militares são conhecidas pelas restrições impostas aos
estudantes – veja mais no fim do texto.
Mas, para o Ministério Público Federal, não há garantia de que esse modelo se
reflita em ensino de qualidade.
“Segundo dados do Inep sobre as notas do Enem de 2015,
último ano em que as médias das escolas foram divulgadas, das 20 escolas
públicas mais bem avaliadas na Bahia, 17 foram unidades do Instituto Federal da
Bahia ou do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IF
Baiano, instituições públicas de ensino não militarizadas”.
O documento também diz que “não se tem conhecimento de estudo aprofundado
que embasasse a conclusão que a melhor avaliação dos alunos dos Colégios da
Polícia Militar, em comparação com a média dos colégios públicos, decorre da
citada ‘metodologia e filosofia’ dos colégios militares”.
MPF aponta ‘violações de direitos
O MPF elenca no documento exemplos de violação de direitos que as escolas municipais
baianas que aderiram ao sistema militar estariam cometendo contra crianças e
adolescentes.
No regimento de uma das escolas, em Santa Cruz de Cabrália, os meninos são
obrigados a cortar o cabelo assim: “máquina 2 para as laterais e máquina 3
ou correspondente em tesouro para parte superior da da cabeça, não sendo
permitido o uso de topete ou franja (…) Na nuca, o cabelo não poderá ser
acabado em linha reta ou de forma arredondada. As costeletas deverão ter o
comprimento até a altura corresponde à metade do pavilhão auricular”.
O procurador menciona tratados internacionais assinados pelo Brasil, além de
entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) que estariam sendo violados com as práticas militares nas
escolas da Bahia.
O documento cita ainda regras impostas a professores destas escolas, como.
Não se colocar em situações cômicas; Ter sempre o uniforme/e ou a roupa limpas
e bem passadas; Usar trajes adequados para cada ocasião; Para as professoras:
não usar roupas decotadas, saia curta, roupas transparentes, camisetas de
times, chinelos ou rasteirinhas, piercings ou tatuagens de qualquer tipo à
amostra, acessórios extravagantes (brincos, pulseiras, etc), maquiagem em
excesso. Usar os cabelos, presos em coques com o uso de redinha ou
“rabo-de-cavalo”. Apresentar-se sempre barbeado, com o cabelo cortado
e penteado.
Recomendações
Após analisar os regulamentos, o procurador escreveu que “a imposição,
pelo Estado, de padrão estético uniforme aos alunos e alunas, quanto ao tipo de
corte de cabelo, roupas, maquiagem e outros adereços possui impacto negativo
desproporcional em indivíduos de grupos minoritários, marginalizados ou alvo de
preconceito, que se veem impedidos de manifestar as características de suas
personalidades e culturas diferenciadas, especialmente quanto às identidades
étnico-raciais, religiosas e de gênero, em grave violação aos princípios
dignidade humana e da igualdade”.
O MPF pede ainda que as escolas “se abstenham, imediatamente” de
fiscalizar e proibir comportamentos “neutros” dos alunos, “que
não afetam direitos de terceiros ou interesses públicos”.
Pimenta elenca algumas atividades, tais quais “usar óculos esportivos,
namorar”, como exemplos e diz que este tipo de proibição se baseia
“unicamente em moralismo”.
O documento estabelece 15 dias para que as autoridades informem as medidas que
serão adotadas para cumprir as recomendações estabelecidas pelo Ministério
Público Federal.
Apesar de não ter efeito vinculante, ou seja, não obrigar que os entes públicos
executem as mudanças, as recomendações são expedidas para “orientar sobre
a necessidade de observar as normas e visam a adoção de medidas práticas para
sanar questões pelo órgão competente”, conforme o próprio MPF. O UOL
tentou contato com o governo da Bahia, mas não houve resposta até a publicação
da reportagem.
Fonte: https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/07/30/mpf-contesta-qualidade-de-escolas-militarizadas-e-cita-violacao-de-direitos.htm