Cantora cega grava por 30 horas e leva voz e acessibilidade para urnas eletrônicas

Por Luany Galdeano | Folhapress

A atriz e cantora Sara Bentes, 43, sempre sonhou em dar a voz a uma ferramenta de leitura de tela, recurso que, por ser cega, ela usa desde a adolescência. A partir deste ano, Sara será a nova voz da urna eletrônica e poderá ser ouvida pelos 216 mil eleitores com deficiência visual cadastrados para votar, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). 

As urnas passarão a usar o software Letícia, batizado em homenagem ao segundo nome de Sara. Ela gravou por 30 horas para viabilizar o sistema de leitura de tela, que foi desenvolvido por programadores cegos. 

“Minha expectativa é que mais eleitores com deficiência visual se sintam seguros para votar, com autonomia e motivados por utilizar a urna com muito mais precisão”, diz. 

Sara gravou narrações de frases curtas e aleatórias, tiradas de jornais e livros, para gerar um banco de dados de sua voz. Com base nele, uma inteligência artificial identificou o padrão de fala da artista, desde a entonação até os momentos de pausa e de pontuação, criando a voz sintetizada. 

O software faz parte do projeto de acessibilidade RHVoice e está disponível gratuitamente na internet. A equipe da seção de voto informatizado do TSE fez a integração do recurso à urna. 

A mudança para uma voz menos robótica e mais compreensível foi uma demanda da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB). 

As máquinas usadas nas duas últimas eleições, em 2020 e 2022, já contavam com um sintetizador de voz. No entanto, a falta de entonação adequada dificultava o entendimento de algumas palavras, como o nome dos candidatos, por exemplo. 

“O quanto de erro pode ter causado essa voz que não era muito inteligível?”, questiona Sara. “A coisa robótica não tem nada de expressão. É um som grotesco, então vira um ruído e te distrai do conteúdo.” 

Ainda que não fosse o ideal, segundo Sara, o software daquelas eleições foi um avanço se comparado ao que era usado até 2018, com áudios pré-gravados. Naquela época, a leitura de tela, além de ter uma voz de baixa qualidade, não informava o nome do candidato que estava sendo votado, reduzindo a autonomia do eleitor cego ou com baixa visão. 

Trabalhos com voz são a principal atividade profissional de Sara Bentes. Ela diz que descobriu a aptidão para a arte na adolescência, quando começou cantando no coral da escola. Desde então, fez teatro, ganhou competições internacionais de canto e atuou em diferentes projetos com a voz. 

Um deles é o espetáculo “Show no Escuro”, em que o público escuta uma performance musical em total escuridão. Outro, também recente, foi a dublagem da série da Netflix Toda Luz que Não Podemos Ver, que tinha como protagonista uma personagem cega. 

Para ela, levar a própria voz à urna é uma maneira de promover a representatividade. “Tudo o que a gente busca é protagonismo. A voz de uma pessoa cega vai estar dando autonomia para várias outras pessoas cegas.”

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